13 de out. de 2012

Epitáfio.

Caminhar em um cemitério é como dormir sem descansar, não tem paz alguma. O ambiente silencioso, as flores reminiscentes de coroas muitas, caídas no chão, ou simplesmente apodrecidas no túmulo, roubam a paz dos caminhos. Para não falar dos mortos, enterrados sem possibilidade de retorno. Os mortos lembram os meus, com pesar.
Sempre tem túmulos frescos e novas covas. As inscrições eram variadas, desde " amor de irmão " até " tempo perdido ", revisitar o meu cemitério nunca é fácil.
É lembrar dos sonhos que morreram no caminho até aqui, e alguns eram tão joviais que nem deveriam ter sido brutalmente assassinados. É lembrar dos afetos que morreram de tempo ou de jeito. É lembrar sobre tudo das expectativas mortas, que me cravaram o peito de decepções. É lembrar de toda angústia jovem de vinte anos, e certamente é me deparar comigo mesma, um dia, junto a tudo que já perdi.
Méritos também foram enterrados lá, e monstros, e o meu peixinho dourado. O meu peixinho dourado jaz na cripta mais imponente, ao lado de Megan, a gata. Ora que ironia. Ambos mortos pela mesma pessoa, dezenas de vezes.
E em uma última cripta, de mármore branco e arabescos : Gilda. Aquela que me deu a possibilidade de vir a tona com meus próprios pés. E braços e desbravar abraços e enlaços, Gilda que me ensinou a ir sendo, Gilda tão arraigada em mim e que agora se despede me provocando um sorriso. Você vai me fazer falta, mas eu vou te fazer viva, eu prometo.
Pegar uma flor no chão do cemitério. Fazer um pedido. Ir embora.


22 de set. de 2012

Margô.

Se amasse a coisa ultima do seu ser tal como amava a Margarida, há muito teria sucumbido. Não lhe sobrava espaço para amar aos montes, porque em Gilda tudo era entrega. O tempo foi lhe dando um batom mais escuro, e uma tez mais suave. O tempo lhe dera uns olhos descansados e ouvidos mais pacientes. O tempo lhe roubará os passos de música, mas não a alegria da música.
Nunca pensou nas coisas para além da sua efemeridade e, desta forma, nada nunca lhe pareceu temerário. Até a Margarida. A Margarida era o começo e o fim, lhe diria se acaso a perguntasse.O excesso de compromisso que lhe endureceram os pés, foi mais generoso com seu coração. A responsabilidade que demandava cuidar de uma flor, as vezes a enlouquecia. E ela se colocava de cócoras a maldizer e resmungar. Mas quando voltava para Margô, e a olhava de perto, era maior. Sonhava mundos, que só Margô lhe dava, que só o paradoxo de ser flor poderia conceber.
A Margarida era a coisa ultima da menina, era a primeira coisa que tinha em seu peito de mulher, era a coisa que findava em si tudo que tinha. E começava em nós.

6 de set. de 2012

Se eu quiser falar com Deus

E Deus, hein ? 

Será que Ele já sentiu inveja? Ou medo ? Ou dor ? Uma dor tão insuportável que não cabia na palavra ? Será que em todo o processo da criação alguma vez ele se sentiu sozinho e quis ter um amigo por perto ? Será que Deus tem amigos? Será que eles estavam lá sorrindo amarelo quando ele precisou ? Será que Deus já se sentiu  feio, ou gordo, ou já sorriu quando queria chorar ? Será que ele já teve que engolir sapo ?  E choro ? Será que Deus já teve um nó na garganta, ou já sentiu frio ou vergonha ? Será que Deus se parece comigo e é egoísta? Será que ele é meu pai e não me deixou cair em tentação, e se ele for, por que eu já caí tanto ? Será que Deus estava comigo quando meu coração estava partido ? Será que Deus é comigo na minha imperfeição ? Será que Deus viu tudo que eu fiz ? 

Onde ele está agora ? 

26 de ago. de 2012

Baby, há quanto tempo

Eu conheci um rapaz de cabelos vermelhos, olhar distante e timidez latente. O conheci no Começo de tudo, no Gênesis. 
No primeiro dia eu pedi que ele me comprasse fichas para o lanche e ele aceitou timidamente, depois o convidei para sentar comigo. Não podia supor que meu gesto fosse o raiar de uma grande amizade, talvez se eu pudesse supor qualquer coisa da importância dele na minha vida, não teria sido tão arrogante. 
No segundo dia fomos para uma grande festa, nos encontramos quase por acaso e nos divertimos com seu silêncio atordoado. Já não havia um dia em que não sentássemos juntos.
No terceiro dia veio a raiva e o medo e a descoberta, veio a praga, ele me falou que eu deveria me unir a ele. Eu me uni a ele, me aproximei do seu forte, da sua vida, sua história, seus amigos. Seus amigos foram os meus, as histórias nossas, a vida dividida pela rotina colegial.
No quarto dia vieram os desafios e os desamores. Também veio o afastamento e o medo ainda nos espreitava silencioso, como você foi outrora, sobrevivemos.
No quinto dia veio a morte, a dor da perda foi vivida por 30 ou mais almas. Todos morremos com ele. Chamam de empatia, mas era só amor e dor e perda, a sua perda que foi a minha perda e ainda é. Nunca a dor me foi tão visceral e escancarada, te entreguei um diário, te entreguei as promessas, me fiz forte para ser a sua força, me fiz presente para ser seu presente. 
No sexto dia veio a bonança, o céu azul das coisas vindouras se abriu em um sorriso escancarado, como o nosso. Vencemos, vencemos a dor, o medo, o preconceito, o nosso próprio preconceito. Vencemos as grades e tudo que nos prendia. Vencemos de um jeito tão bonito que até a inveja se condescendeu. Ela não chegou em nós, e nada de ruim poderia se abater, tínhamos os seus ensinamentos: Coragem, Força e Fé. 
Aqui, do auge do sétimo dia desfrutamos da vista. Não se sabe o que acontecerá daqui para frente, mas temos um filho, um sonho. Certamente estaremos juntos. Você é o irmão que eu sempre quis, você é maior até, porque eu não sei sonhar com alguém tão bonito.  

 Baby, baby, I love you 




Para ler ouvindo Baby

19 de ago. de 2012

É você que tem

Quando eu te vi pela primeira vez, tal como você era, a minha vida estava uma bagunça. E você me veio com os seus olhos vazios e o seu medo e pela primeira vez eu não precisei que ninguém me dissesse que eu estava apaixonada. Tive medo, medo de seguir em frente, medo de cair, medo de te machucar, mas arrisquei. Arrisquei porque quando eu te vi verdadeiramente eu me perguntei, também pela primeira vez : "Porque não?". E não "Porque não eu?".
E você me amou primeiro, você me amou quando nem eu amava a mim. Você me amou no meio daquela bagunça e segurou minha mão e me confortou  mesmo quando eu não mereci. Eu te desmereci mesmo antes de te amar, porque eu não merecia a mim. E você esteve ao meu lado e me propôs uma margarida... Na minha fossa. Te dei várias, coloridas, vivas, secretas. Porque a gente dá coisas vivas a quem ama, para ver o amor crescer.
Mas você é grandiosa, você me dá tudo que eu sonho, e faz das tripas qualquer coisa, para me fazer feliz, porque você me ama. E eu sinto que você me ama, eu vejo que você me ama e eu sei que você me ama.
Porque a gente sabe quando a gente é amada. A gente sabe quando não está sozinha.
E então por qualquer coisa me inquieto e me deparo com coisas que fazem meus sentimentos ficarem em suspenso. E penso : Ora, como saber se é amor. Como saber do meu amor ?
E hoje não é no contrate do desamor que sei que a amo.
É no desespero, na ternura, no cuidado, no dividir-se, repartir-se, reviver-se, no amadurecimento contínuo e conjugado. No nós. Na intimidade, na falta de pudor, na proximidade e na inquietação. Na suspensão de sentimentos, no ciúme, no medo da perda. Na elaboração de mim.
Posto que não vejo a mim, só, vejo-nos.
Não sei se um dia eu vou poder te contar o que você me deu, mas eu já mandei embrulhar, já chamo de meu.
Porque você me deu a mim, como seu sempre sonhei ser e nunca saberia ter sido. E cada pedacinho desse eu que você quem viu em mim, e me mostrou pelos seus olhos - agora cheios de vida -,  cada mínimo pedaço, ama você.
É fácil amar quando é fácil, e é bom. Mas ainda bem que nós soubemos nos amar em plena tormenta.

2 de ago. de 2012

Amigo, que ironia dessa vida

Amigo é feito de sonho e espelho
Reflete de nós o que queremos
E mais, o que admiramos
Amigos se espalham
Nos anos, planos, sonhos,
E vagam pra outros tantos.
Acontece às vezes do reflexo mudar,
Acontece da gente se ver diferente
E rejeitar o amigo que no espelho era a parte ausente.
Mas tem amigo, além espelho. 
Amigo moldura. 
A amizade nunca acaba, nem acaba a ternura.

30 de jul. de 2012

Vida bossa, idade nova.

Um canto doce, um cheiro de temporal. Eu guardo em mim, um Deus, um louco, um santo, um bem e um mal.


Das travessias idas, das novas vindas
Do que sobreviveu aos naufrágios
E do que revolucionou sufrágios,
Sou das paragens do frágil.
À revolução da beleza e da poesia,
um brinde, uma bossa clamava.
No raiar do dia de Nanã,
Fez-se em minhas primaveras, amanhã.
Um samba de grito entoava.
Meu coração pondera o peso
Do samba de chula do recôncavo
de pés descalços e descalça escravidão.
E também alegra-se ainda com a bossa
Branca elitizada, desta estação.

8 de jul. de 2012

Far far

- Eu ? Eu queria ser artista. Estar no palco, viver de aplausos. Queria ser uma dessas pessoas que pintam, ou dançam, ou cantam, ou criam. Mas nunca fui realmente boa em nada disso, sou melhor produzindo que atuando, criticando do que escrevendo. Aí você vai pondo o sonho de lado, e vai fazendo escolha, traçando novos caminhos, primeiro era a arte, agora é a moda, depois o direito. Tudo pelo ralo. A gente aprende a ir pondo os sonhos de lado, mais isso tem um preço, primeiro a gente perde o brilho, depois perde o gozo. O mundo foi ficando cinza quando mataram a arte em mim. As coisas, antes surpreendentes e dignas de sorrisos e aplausos, foram ficando tortas, murchando e morrendo. Aí me disseram que eu podia escrever. Que eu era capaz. E eu senti de novo surgir em mim cor, escrever para mim sempre foi um jeito de me anunciar. Uma lanterna, para um afogado. Escrever era um jeito de contar o mundo de mim para mim, e relembrar das cores. Eu tinha um ateliê, era um quartinho na minha antiga casa. Lá tinha livro, tinha fada, tinha tinta, tinha lápis, tinha papel e tinha os sonhos de quem um dia fui. Lá eu inventava até amigo, pintava, brincava, criava, lá eu era livre. Fui feliz naquele lugar, quando o visito nas minhas memórias sinto novamente o cheiro da comida no fogo e das tardes coloridas, tal como as paredes. Era para eu ser artista. Mas a pior tristeza da gente é crescer, porque crescer implica em aprender deixar de lado. Penso que por isso a gente aprende a chorar quando cresce e por isso também leva tanto tempo. A gente vai deixando a dor de lado até ela não caber mais na gente, até ter que sair. E mesmo quando ela sai, sai contida, lágrimas silenciosas no travesseiro a noite, quem nunca esteve nesse lugar ? Para me encontrar tive que reaprender a sentir dor, chorar quando doía, falar a verdade, não deixar de lado. Porque enquanto eu exercitava o que esperavam de mim eu era dura demais comigo e com os outros. A verdade é que eu ainda sinto dificuldade de dizer o que eu sinto, ainda preciso impostar a voz quando estou nervosa e ainda me assusto com arroubos de emoção. Gritos me deixam petrificada. E apesar de tudo isso sou atuante, assumo minhas causas e causos. Penso num mundo melhor, também, mas não me acho melhor por isso. Continuo seguindo. Sendo malabarista da vida, equilibrando, para me equilibrar. Acho que de tanto não acabei virando sim, artista.

6 de jul. de 2012

Éramos nós

Um nó na garganta é angústia, um nó no pescoço é gravata. Nó na garganta ninguém vê, só vêem a sua gravata , embora ambos sufoquem. Assim são as coisas minhas, me interessa o que você leva na garganta, os medos, as angústias, os dizeres, a gargalhada e me interessa ainda todo o resto, o de fora é só paisagem. Paisagem diz sem dizer. É livro inteiro, unha roída, cara bichada, é ressaca, medo, roupa mal passada por uma noite mal dormida. O que se leva fora diz de si, e o dentro comunica a si e o fora.
Há ainda mais. Não sou de extremos, não sou dessas pessoas intimidadas pelo que é medíocre, todavia. Vejo o mundo em inteiros! Nada de ou dentro ou fora. Não sei ser uma coisa ou outra, oito ou oitenta, sou tudo!Oito e oitenta, então se tenho braço de abraço e boca de sorriso também tenho mãos de tapas e boca de gritos. Basta que você esteja lá em tempo de tapa ou sorriso. Sabendo que todo tempo é esse, e todo esse único.Me parece inatingível a pretensão de ser ou uma coisa e outra, se posso ser a coisa toda, coisa e outra. Com óculos de coisa e outra vejo tudo que é o humano, e nada me é indiferente. Tudo e nada é o mesmo um.

                                                                                                                                                                        Um nó na gravata, é nada.                                                                                                                                      Um nó na garganta é tudo.

Dois nós e nenhum nó, só os "eus" feito nós.  

5 de jul. de 2012

Um clichê

Felicidade é esse sorriso dengoso,
Que se espalha na minha cama, 
E jura que me ama. 

Felicidade é essa voz melosa, 
Para além do fio e da prosa, 
Cravada na saudação calorosa.

Felicidade é o amanhã que nos coroa
O hoje que nos abençoa
E ontem que nos faz lembrar

Que embora haja toda felicidade
Há sempre mais por vir
E muito mais eu vou te Amar. 

13 de jun. de 2012

Moda inverno

Se está frio lá fora ou se é tempo de chuva
Pegue um amor bem quentinho ou um bom par de luva
Vista-se rapidamente ou desnude toda emoção
O ponto alto do inverno é o que o faz melhor verão.


27 de mai. de 2012

There's a beautiful mess inside

Uma vez uma professora perguntou a uma pequena garota prolixa o que ela queria da vida, ela apertou a estrela que carregava num colar, a mesma que desenha mentalmente quando está nervosa, e pensou em responder grandiosamente: O mundo. 
Mas diante dos olhares maldosos das outras garotas e garotos, limitou-se a dizer  que queria ser feliz. Não era verdade. Não era uma mentira completa, também, nunca intentara ser apenas feliz, e não tinha certeza que havia uma só pessoa no mundo apenas feliz. 
Ela entendia que as pessoas eram mais complexas que apenas isso, ou aquilo. E no final das contas ela queria sentir tudo que o mundo a pudesse oferecer, dor, prazer, medo, amor, angústia, nojo. 

Hoje quando me olho no espelho, ainda vejo aquela garotinha. Hoje quando me olho no espelho, sei que ela tinha razão.




Para ler ouvindo: Yael Naim - Far far

6 de abr. de 2012

Pai-sarinho.

Tinha medo do embaraço, 
         de             
                            perder o seu encalço.
                            Passo largo, não larga o braço. 
                           Distração, aperta o passo.
      E então se por acaso
       Um desencontro ou 
          Um encontrão ou 


 Aquele brinquedo  na promoção
          me              
                                  furtassem a sua presença
                                                      Eu passarinhava. 
                          Espremia o bico, fazia o som.
 Assovio
 E você 
respondia 
Assovio


Alinhavando e Aliviando meu coração.

23 de fev. de 2012

Filhinha,

Cuida do coração, não cai da escada assim, que mamãe fica assustada. Filhinha, vê se não esquece do que mamãe falou, brincar com a vidinha machuca e o seu amiguinho sonho é um tanto traiçoeiro. Filhinha, mamãe tá aqui de perto te olhando crescer maravilhada, filhinha. Você é linda, meu anjinho, não podia ser mais linda. As vezes mamãe se orgulha dessa sua beleza em silêncio, às vezes exclama baixinho " oh "! Ah, minha menina, não deixe que lhe puxem as tranças, puxaram as minhas, um dia, mas elas não caíram, vês? Ah, minha princesa, eu prometo que vou cuidar de você, prometo que a vida vai te assustar às vezes e às vezes ela te dará um mundo inteiro de alegrias, e eu prometo que estarei lá, para te ninar, meu bem, para te contar histórias de fadas e fados, estarei lá para te ver brilhar, sentada na primeira fileira do seu cartaz, da sua encenação, também estarei sentada na lira da sua poesia, minha filhinha amada, e não vou deixar que parta, embora saiba que partirão seu coração, não deixarei que fuja, Anita. Você é tão linda, minha menina, mamãe te ama tanto.

Dorme teu encanto, te prepara pra reinar.

Minha briga, meu abrigo

Moro numa voz, num cheiro, meu céu tem duas luas crescentes que reverberam no seu rosto e orbitam surpresa e contentamento, dois sóis castanhos, tenho. Tenho um luxuoso terreno fértil, onde planto meus sonhos e lábios, seus cabelos me enredam e me afogam, no seu rio ondulado, seus leites me alimentam e em cóleras fico se me afasto do seu manto. Seus dentes que me mordem, me abraçam apertados quando me despeço, em estranhos laços se movem suas pernas quando me refaço, me movem seus passos, quando sorrio e espia-me com sóis em brasa. Moro num pensamento colorido, bordado em fios de ouro. Moro no amor grandão, nosso terreno de incompreensões, moro no nosso colorido jardim de margaridas, plena em vaidade dessa morada minha, que habito, vívida, mulher.Moro nessas lembranças aconchegantes dos seus braços, e nos muitos preguiçosos domingos do amor, mora nas segundas, e nas ansiadas sextas, mas sem dúvida nos inúmeros sábados. Moro nesse sentimento completo, confuso e inominável que chamamos Amor, moro-te, Amada minha.

Eternamente responsável

Por menos dor abandonei o parto, minha rosa calejada não te serviu, espetou seu dedo e foi-se embora com suas promessas, o jardim da vida que em confidências amigas prometeu, você mesmo tratou de incendiar. Tomou-me tudo, cúpula, jardim, mérito, sorrisos, fez tudo em doces, queria adoçar-me a boca à beira que meu coração deixou. Que amigo sois vós que me abandonou ? Amei a ti como a um irmão, troquei-lhe as fraldas, embalei seu sono, fui seu alento. Mesmo recém nascido em mim, irmão, amei-te. No meu campo de margaridas, te desfolhei lilases, ah irmão, como ousaste me comunar em flor, sendo eu tua rosa? Abandonas a mim e a si em mim. E deixa por aí semeadas as promessas que me fez e não cumpriu, os cuidados de jardim e as mentiras que despiu. Não sou perfeita, nunca te escondi. Mas fui tua amiga mais devota, em tempos de desfolhar, e hoje sou pouco menos que rosa, muito menos que amiga, quase nada irmã.

Minha senhora,

Uma amiga de longas datas, rainha de muitas paragens, veio a mim em pranto, de coração partido. Era uma mulher fascinante, forte, real em todos os aspectos de si, e da realeza. Me sorria em meios as lágrimas, tentava afastar a dor. Se você pudesse vê-la como eu a vejo, ela teria um metro e oitenta de altura, uns olhos da cor da noite que você quiser ver, ou do sol que você puder ser, um corpo escultural, talhado pelas cuidadosas mãos de Oxum, uma pele que parece abraço, um abraço que é feito sorriso, um sorriso que é feito seus cachos bem tratados, e sua coroa feita de cristais de chás e lágrimas a deixava com esse aspecto de mulher feita, vivida. Eu a  amei, minha senhora. Talvez não da primeira vez que a vi, ali a temi. Mas quando ela me deixou vê-la, a amei. Éramos irmãs de condição, ainda somos. Mulheres demais, a amava muitas vezes como uma mãe. Quando eu precisava chorar, ela me abraçava e enfeitava a própria coroa com meu pranto. Quando chorava o mundo inteiro ficava vermelho, rubro de vergonha por si, por tê-la roubado seus cristais. E então, minha senhora, teve esse plebeu. Ele lhe contou histórias de mundos onde ela nunca pensou ir, e de pessoas que ela nunca pensou existir, e ele a beijou, e num beijo roubou para si os cachos bem tratados do sorriso da menina-Rainha. Ele nos visitou na corte, dançou e bebeu, encantou a todos, não se sabe se por ser-se ou pela imensidão que os olhos de sol, outrora de gueixa, fizeram notar. Ela o amou em um beijo mais profundamente que o mais profundo mistério do planeta. E ele foi embora. Não levou-lhe a honra porque não saberia onde carregar, deixou um bilhete escrito decepção e um maço de cigarros. Minha senhora, nunca vi nada mais triste, nunca vi Rainha maior. Parecia que a dor lhe espetava as partes e empurrava para cima, sua coroa brilhava como nunca e o mundo parecia feito em rubi.
Minha senhora, minha menina-Rainha não sabia da verdade, não sabia que o Plebeu era cego, não sabia que ele não podia amá-la, porque não podia ver-te, senhora. 
É minha obrigação te contar, senhora, porque a amo. Porque embora Rainha de mim, sou seu amo. Porque, és minha irmã e sou tua, e és mãe minha e senhora das próprias águas, as que embebedam, choram e matam a sede, sinto muito senhora.
Minha senhora, não chore. 


Minha senhora, és de lua e beleza, és um pranto do avesso, és um anjo-verso em presença e peso.


Com amor, Leãozinho.

22 de fev. de 2012

Tive medo e não consegui dormir

Estive por aí, meio só, muito só. Você não viu, ninguém viu. Minha solidão é sólida, agora, materializada nos barulhos externos, na frieza da casa vazia. Da minha casa vazia, a nossa também parece desabitada, eu só saí por alguns dias e onde está você agora? Tirei tudo do lugar, busquei um por fim, ou um portanto, por tanto desencontrei-nos ? Gosto do modo como o silêncio bate nos escuros de mim, mas esse desacompanhar me dá calafrios.

 Esse é o nosso mundo, o que é demais nunca é o bastante. A primeira vez é sempre a última chance. Ninguém vê onde chegamos. 


27 de jan. de 2012

Miudezas de ano novo

 Minha cama era meu reino naquele curto espaço do dia primeiro do ano tal. No meu reino tinha. Tinha gente, dormindo, acordada, sorrindo e dançando. Vulgar falar assim de bosta, mas é o que é. A gente nasce, chora, come e caga por toda vida e morre. Defequei, diria se lhe convém uma palavra quadrada cheia de éfes e quês, mas o certo é dizer Caguei, porque assim o fiz.
Você poderá dizer que é escatológico, e que eu sou uma mocinha, e mocinha não falam de suas intimidades, mas " Eu não tenho vergonha do que eu faço no banheiro " in memorian, Renato, meu guru espiritual que disse. Isso não importa, o que importa é quando e quando foi nos meus primeiros momentos no primeiro dia do ano tal. 

E eis aí, toda a incompreensão que está em mim, que explico, e em você, que merece explicação, se é só botar para dentro e para fora, o quese aproveita? Tudo, ou quase tudo. Porque nem tudo há de se aproveitar, aproveitar tudo não é humano.
Por que a merda é saber que foi-se tudo aquilo que não tinha que ser aproveitado, embora estivesse dentro de você, a merda é saber que tudo por mais delicioso que seja, vira bosta e vai ser devidamente colocado para fora, seja com força ou sutilmente.
De um jeito ou de outro você limpará sua bunda, e irá embora.

A felicidade de cagar é genuína.

Picolé de Chuchu ;

Fria e Indigesta !