21 de abr. de 2024

Aí foi que o barraco desabou,

" É isso, a fonte secou!" brada à plenos pulmões, "Não vou mais tolerar nada, agradar ninguém, amar ninguém" continua, dessa vez um pouco mais baixo. E no silêncio se recolhe e encosta o corpo na parede, a frieza toca as costas como um afago. "É isso" repete mais uma vez com um suspiro ao final. Se dá conta então que não gritou, exceto na imagem ficcional que criou para si mesma, ao contrário estava emudecida, lábios secos e contritos, maxilar rígido, encarando um estranho qualquer fixamente. Com um maneio de cabeça virou o rosto para o outro lado, onde uma criança sorria bobamente para o nada. Percebeu que sentia falta dessa sensação que supunha na expressão da garota, hoje seu rosto relaxava nessa cena de grito mudo. Se perguntava se era possível vê-la quando olhavam para ela. Tinha essa impressão cansada de que os outros não a viam, apenas se apresentava como uma miragem dos desejos dos outros. Era curioso, causava uma certa estranheza intimamente gostar disso, se sentia caleidoscópica e intocável, aquilo que ninguém vê, também ninguém macula. Talvez por isso tenha prostituído seus dias em telespectar a vida de fora, imaculável no seu eu invisível. Talvez por isso também sofresse com o que entregava de bom grado a quem não lhe alcançava, e por um instante a ocorreu que a fonte não precisava secar, ela precisava parar de verter. 

Picolé de Chuchu ;

Fria e Indigesta !