21 de abr. de 2024

Aí foi que o barraco desabou,

" É isso, a fonte secou!" brada à plenos pulmões, "Não vou mais tolerar nada, agradar ninguém, amar ninguém" continua, dessa vez um pouco mais baixo. E no silêncio se recolhe e encosta o corpo na parede, a frieza toca as costas como um afago. "É isso" repete mais uma vez com um suspiro ao final. Se dá conta então que não gritou, exceto na imagem ficcional que criou para si mesma, ao contrário estava emudecida, lábios secos e contritos, maxilar rígido, encarando um estranho qualquer fixamente. Com um maneio de cabeça virou o rosto para o outro lado, onde uma criança sorria bobamente para o nada. Percebeu que sentia falta dessa sensação que supunha na expressão da garota, hoje seu rosto relaxava nessa cena de grito mudo. Se perguntava se era possível vê-la quando olhavam para ela. Tinha essa impressão cansada de que os outros não a viam, apenas se apresentava como uma miragem dos desejos dos outros. Era curioso, causava uma certa estranheza intimamente gostar disso, se sentia caleidoscópica e intocável, aquilo que ninguém vê, também ninguém macula. Talvez por isso tenha prostituído seus dias em telespectar a vida de fora, imaculável no seu eu invisível. Talvez por isso também sofresse com o que entregava de bom grado a quem não lhe alcançava, e por um instante a ocorreu que a fonte não precisava secar, ela precisava parar de verter. 

22 de mar. de 2024

Cada ser tem sonhos a sua maneira,

 No ronco da cidade uma janela assim acesa.

Acendem janelas no meu desejo,

Por isso não durmo bem, 

Sonho tem [embora o sinta só]
Corro para Morfeu pedindo...

Arrego, mas a dor que carrego

Me assombra nas pálpebras

O desejo explode na contramão

Ainda não tem forma 

Mas tem informe 

Uniforme

Imensidão

Parece um suplício acordar do início do não

O sonho é o vício da rotina, a dor seu guidão

O desejo não

O desejo planta flores no submundo da devassidão

O desejo acorda o dia 

que o sonho rouba em vão

Fico presa na contradição

De sonhar sonho só

De desejar pelo não


10 de mar. de 2024

Quando você me deixou, meu bem

 Me disse pra eu ser feliz e passar bem. 

Você sabia que pessoas que se amam fazem espontaneamente corações com os corpos quando se abraçam? Eu acredito que o coração como símbolo venha desse gesto, mas eu também acreditava que "Leãozinho" foi escrita para mim então acho que meu crivo de explicações é muito subjetivo. 

A dor é um argumento mais convincente que o Amor. Foi o que eu disse numa conversa despretensiosa, é o que eu acredito nos dias difíceis. Que não cabe no axioma do Amor a força de convencimento e mobilização que a dor cria. A dor com seus inquestionáveis traz uma valor de execução, perder por exemplo, dá conta de tudo que é intangível mas que se deseja tanger, pena que quando a dor te mobiliza ao transito não tem a força de uma crença que a sustente e diga à tudo que pertence a memória que vale mais o amor. A dor convence quem sente, o Amor convence aos pares. Mas quando decidimos perder, o abandono do sujeito amado não é maior do que o abandono de quem Ama, deixar de amar é se colocar a disposição da dor. 

Foi (no passado, não "É" e "É" no presente) assim que eu aprendi a saber quando era amor, inclusive, quando a ausência doía. Eu nunca tive amor ausente, ouvi muita Bossa Nova em tenra idade e aprendi que "mesmo amor que não compensa é  melhor que a solidão." De certo que o desejo de evitar a solidão é sobretudo o desejo de evitar a dor. Cazuza estava certo quando disse que morrer não dói? Sim e não, depende da perspectiva, o que morre não morre e só, morre também para alguém, para aquilo, para os propósitos e todas as próximas vezes que caem junto. 

Talvez a pergunta diante da morte seja "Como vou viver?" com algo morto dentro de mim ocupando todos os espaços e vivendo <ainda> que seja viver pelo não. 

Felizmente Passa

 Perder um amor é pior que a solidão. 

Eu perco o chão, eu não acho as palavras. Eu ando tão triste, eu ando pela sala, eu perco a hora, eu chego no fim, eu deixo a porta aberta...Eu não moro mais em mim. 

Eu estou ao meio. 

Onde será que você está agora ?

Desculpa, isso era para dizer:

Quando você me quiser rever, já vai me encontrar refeita, pode crer.

Já me fiz a guerra por não saber (me leva amor),

Não tinha mais como voltar àquele bar, as incursões na vida noturna e o glamour dos velhos tempos esvaneceram. Tinha agora uma vida fora da noite, um emprego honesto, seus silêncios e uma necessidade de sono que colocou os sapatos vermelhos de lado. Era um outro desdobramento de Adalgiza, de Gilda, de qualquer mulher. Mas ainda com algum apreço pelos líquidos amarelos para lubrificar os pactos sociais de silêncio da noite nas agruras do dia. Ainda tinha a lembrança do vermelho nos lábios, mas agora ouvia Beth Carvalho no domingo e preparava um lombo para a família, resignada nas transgressões, mas nunca no afeto. O tempero nos dedos enfeitava as unhas bem feitas, havia alguma vaidade, ainda. Mas os pés descalços, tocavam um chão sem sonhos. A realidade abaixo dos pés anuncia o calor dos dias, a necessidade de limpeza da casa, as cheganças que fazem festa na dor. 

 Vim de longe léguas cantando eu vim (me leva amor)/Vou, não faço tréguas sou mesmo assim

(Por onde for quero ser seu par)


24 de fev. de 2024

Aniversário de Sobriedade

 E eu preciso de coragem pra viver fazendo as pazes...Ou quase. Se me der guerra eu quero mais, o tempo fecha eu tô de pé, chamando temporais, viciada em caos, na beira do cais. Banquete animado à um bando de animais... Black Alien


Estou num quarto cercada de livros. Muitos eu nunca li, porque trabalhar 40 horas semanais drena  minha energia vital. Admiro quem consegue trabalhar muito e ter uma vida: ler, malhar, ouvir música, ver beleza nas coisas. Eu quando trabalho muito não vejo sentido em nada. Cumpro a função social feliz de atestar minhas vitórias por meio do dinheiro imaginário, tenho coisas, pago financiamentos, ando bem vestida e tomada banho, tem sido o melhor que consigo fazer, equilibrando a mediocridade da ficção de ser uma mulher de classe média limpinha com as minhas marginalidades todas. Fumo maconha, chupo buceta, acordo de ressaca e repito. Ressaca de tudo que eu não vivi ainda. Falei pros meus amigos que ando meio niilista, mas realmente não acho que o problema seja eu. Vários deles também estão assim: sedentos de uma oportunidade de prazer que viabilize a nossa existência e dê contornos para ela, sem abrir mão da ficção da mediocridade: vencer pelo trabalho: HAHAHA. Não é um jogo de ganhar ou perder, é um jogo de perder e perder. Vendo minha força de trabalho à um preço justo, mas nunca é o bastante. Esse ambiente insalubre da vida propicia vícios, arroubos e afetações. Fico me perguntando se sou eu que estou maluca ou a marginalidade tomou mesmo conta de mim. Quando eu vivia no mundo, acreditando que sendo parte de um coletivo de luta eu estaria dando minha preciosa contribuição para a mudança que parecia crível, eu vivia melhor. quando eu acreditava eu vivia melhor. Tinha uma motivação intrínseca, tinha uma razão de ser. Eu sou essencialista para caralho, sempre penso e me ressinto da ausência de essência, quero ver as marcas da essência e me digladio com a aleatoriedade da existência, parece vazio assim.  Pelo menos brigando para existir eu sinto que faço algo, trago a angústia, cuspo fumaça nos transeuntes, transgrido leis, marco corpos. E só. Acordo para a ausência dos antidepressivos, durmo para as razões do deprimir. Se eu faço tudo que o jogo pede, porque não sinto a alegria que me prometeram? Sonho liberdades quando me permito, mas são frágeis e curtas as escapadas. Choco de propósito, absolutamente consciente, os que vivem como eu, ainda assim me acovardo na burocracia do que " deve ser feito" também tem um teatro de intenções canastronas aqui. 

Picolé de Chuchu ;

Fria e Indigesta !