30 de mai. de 2010

Procura-se .

Sorriu, tinha um cigarro pela metade metido pelos beiços obscenamente vermelhos. Trajava preto, o que a deixava ainda mais pálida, tinha os cabelos em cachos, parecia saída de um folhetim antiquado naquele lugar, com todas aquelas meninas padronizadas.
Tinha uma certa fragilidade que a envolvia e me fazia querer sorrir de volta para ela, mesmo odiando cigarro. Acenei, então, assim, como um desinteressado qualquer, ou como todos os desinteressados que notoriamente estavam interessados nela.
Mas, foi para mim que ela sorriu de volta, era para mim aquele maneio de cabeça sutil, e aqueles dedos frágeis que diziam "vem" com um movimento despojado. Levei um tempo para assimilar aquela mensagem, mas fui, fui e não voltei ainda. Já fazem 2 anos e eu continuo lá. Todas as noites de sábado, no mesmo horário, esperando-a, esperando o fim da nossa história.
E nenhum dia nesses 2 anos, nem mesmo no dia da morte de minha mãe, esqueci o calor dos teus braços. Não esqueci a delicadeza com a qual se curvava para mim e falava assim baixinho, com voz de menina que não condizia com sua aparência : " Você vem sempre aqui aos sábados né ? " .

Sim, eu venho sempre aos sábados.

26 de mai. de 2010

10 anos, afinal.




Alanie diz: Achei essa foto tão tão tão parecida comigo

Ana Elisa diz: É assim que você se vê ?

Alanie diz: Por dentro, não por fora, sim.

Ana Elisa diz : Nada a ver, você por dentro se parece com essa aqui :

24 de mai. de 2010

Ver melhor...

Preto e vermelho
Pulsando, arritmia,
fora do tom, em sincronia
com a cor do desejo

Branco, lilás
Suando, euforia
no mesmo compasso
carícias no entrelaço
de beiços vulgares

Bege e azul
Escrevi um bilhete,
e nele um Adeus...
...com gosto de até logo.


-

Na sequência de cores da minha aquarela da noite passada: Roupa, boca, pele, unha, papel e caneta.


22 de mai. de 2010

Eu rabisco o sol que a chuva apagou.

Fechei os olhos - mas não sem antes espiar os dois lados - puxei o edredom até que este cobrisse todo meu corpo, e então, como não fazia há tempos, rezei.
Rezei todas as rezas que sabia, e depois inventei algumas, me perdi, troquei sílabas, palavras, frases inteiras e adormeci assim, rezando.
Acordei assustada, pedindo clemência ao silêncio, acordei esperando um abraço que não estava lá.
Chorei, e cada uma das lágrimas vertidas tinham um silêncio em si, a última, entretanto, tinha um abraço. Antes que ela se espalhasse pelo travesseiro, como as outras, a capturei com o indicador e levei-a aos lábios, sorvendo-a.
E cada parte de mim agora é abraço, o silêncio se foi com as lágrimas.

21 de mai. de 2010

A beleza de ser um eterno aprendiz.

Subir, voar, empreender
Ser capaz de contornar
As voltas que a vida dá
E aprender a crescer

Mudar, sentir, sonhar
Enfrentar os medos
Saber manter segredos
Não ter vergonha de errar.

Aqui agora, ou em outro lugar
Saber ser justo e pagar por isso o custo
É aprender a não julgar.

Talvez além, iremos juntos vislumbrar
O resultado do aprendizado
Na fina flor a desabrochar.

17 de mai. de 2010

Onde brilhem os olhos seus.

Das mãozinhas rápidas cortando o ar em movimentos repetitivos, acompanhados de gritos e chutes. Eu com um sorriso orgulhoso no rosto e os olhos colados na pequena Karateca, aplausos. Quanta força!
E ela se despediu do seu público eufórico com um cumprimento tradicional e veio até mim, sorrindo tranquila! Às vezes eu queria te pegar no colo . Abracei, como todos os abraços que destinava a ela, com força, vivacidade, duas palavras que eram só dela e que de alguma forma ela extraia de mim num abraço.
Gostaria de te dizer o quanto eu me orgulho.
Cutuquei as costelas, ela parecia sempre tão frágil, ela exclamou qualquer coisa e esboçou uma reação, mas tão logo aquietou-se com as perninhas bem juntas e as mãos sobre elas e começamos a cantarolar juntas uma música, rimos da nossa sincronia, ríamos muitas risadas daquela forma.
Nos despedimos, sabendo que estaríamos em nós a cada nova manhã, sabendo que não nos largaríamos nunca. Não solta da minha mão ? Nunca!
Já éramos parte uma da outra, e era esse ser em partes que nos dava forças para continuar.

Eu não sei dizer o que quer dizer, então eu escuto.

Obrigada por me deixar em parte ser você, Thainá Freitas.


12 de mai. de 2010

Ilíada .

O vento trazia consigo o cheiro de final de tarde numa cidadezinha de interior. Sentada num banco qualquer de uma dessas praças onde todos se encontram, perto de um chafariz, no meu colo repousava um semi-deus, vamos chamá-lo aqui de Hércules.
Podia ser para sempre.
Ele envolvia meu rosto com ambas as mãos e falava sem parar sobre coisas aleatórias, queria aproveitar cada vão momento. E sorria, sorria daquele jeito que só os semi-deuses são capazes de sorrir. Eu, que vim ao mundo só para cantar seus feitos, sorri de volta. Nunca serei capaz de te deixar . Fiz milhões de promessas, algumas das quais me arrependo profundamente, mas não me calei, falei tudo que me vinha a boca, queria desesperadamente que Hércules se calasse, cada palavra dele fundava um conjunto novo de sonhos que eu sabia ser cedo demais para que existissem. Por favor não faça isso comigo. Ele calou-me com um beijo ao passo que começou a cantar uma música conhecida nossa de outros tempos...

Você é algo assim, é tudo pra mim, é mais que eu sonhava... Você é mais do que sei, é mais que pensei, muito mais do que eu esperava... Eu vou morrer de saudades, não não vá embora...

E eu vi, rolarem pelo seu rosto muitas lágrimas disformes, e eu o achei tão bonito assentado ali no meu colo, tão frágil, tão humano que eu me curvei aos seus pés. Jurei amor eterno vinte vezes no silêncio da minha falta de experiência.
Mas no minuto seguinte, descobri que cada uma daquelas lágrimas havia sepultado uma parte de mim. Tarde demais.
Ele levantou, vitorioso, pegou suas asas de cera e foi buscar um lugar ao sol. Meu rosto iluminou-se com um sorriso de escárnio.

Você vai cair.

9 de mai. de 2010

Eu preciso dizer que te amo.



Ela está cada vez mais esquisita! - sussurra uma voz feminina estridente e fanhosa ao ouvido de um feioso qualquer, que como todo feioso é um despeitado covarde.
Mas é uma vaidosa, detestável! Quem ela pensa que é ? Só quer aparecer. -Ele responde com aquele ar afeminado crítico, mais alto do que sua maldade pretendia. Falta de classe. Não me contenho, nunca me contenho. Sinto um ímpeto de raiva subir-me pela garganta, penso em dizer-lhes mil coisas, dizer como eu estava enlouquecendo, ou como eu tinha nojo daqueles olhares inquisitivos em cima de mim, ou mesmo que eu não ligava para eles, que eu só queria viver. Não disse nada além de um " O que é ? " que nem ríspido foi, também não fiquei para esperar a resposta .
Não posso ser assim, não posso ser cruel, não posso, eu não sou igual a eles, EU NÃO QUERO!
Também sou covarde afinal.
Sigo os demais, ainda estava fantasiada de qualquer coisa que não era eu. Não ligo, estava perdida em pensamentos, olhos baixos, pareceria frágil, se não parecesse tanto com alguém que fui outrora. Senti os braços acolhedores do meu herói me envolverem, sorri. Não estou sozinha .
Eu te amo, sabia ? - Pensei, e não disse, disse entretanto uma frase sem qualquer valor sentimental, para nós, claro - Estou cansada.
Senti seus olhos verdes me furarem, buscando qualquer coisa além disso. Tenho me lamentado tanto ultimamente ...
Silêncio.
Ele parou, eu continuei andando, lembrei de uma conversa anterior e uma bebedeira de outrora, lembrei dele me dizendo como se sentia, como sentia o mundo. Não posso afundar, não quero ficar no escuro outra vez. Nos encontramos outra vez, sorri, mesmo sem vontade não sabia ser rude com ele, na verdade, não conseguia.
O esquadrinhei com os olhos, estava mais bonito...era forte. Mais do que eu sonharia.
Eu te amo ! - Disse num grito e o abracei, como sempre abraçava, todos os dias, daquele jeito quase maternal, quase como uma amante desesperada - que eu sou, afinal - só para vê-lo fingir o sufocamento - meu bebê! - e reclamar da minha falta de tato e depois, depois dizer para mim, sorrindo com os olhos, quase agradecido :
- Eu também te amo.

Em que momento eu coloquei a minha sanidade nas suas mãos ?

Para Luan Buriti Borges.

3 de mai. de 2010

Como eu sou girassol, você é meu sol.

Levantou os olhos outra vez, encarou as paredes forradas de sonhos antigos, marcas de mãos, recortes de revistas e fotografias velhas. Então, voltou a escrever.
O tec tec das teclas ressoava irritante, fez uma nova pausa, desceu as escadas com a leveza habitual, acendeu as luzes no caminho, passou pelo corredor, entrou na cozinha. Antes mesmo de entrar sentiu o cheiro de alho e ervas, sorriu. Como se estivesse desabilitado a sorrir, seu rosto não se rendeu rapidamente.
Esqueceu o que pretendia fazer, sentou - no chão mesmo - apoiou o rosto nas palmas das mãos e começou a recordar...

Lembrou-se de quem fôra um dia, riu sozinha de algumas piadas que contara outrora, lembrou de um amor que teve. Não tinha beleza que se equiparasse a esse objeto de amor infantil, nada, nenhuma das histórias contadas seria capaz de descrevê-lo. O amor era como um raio de sol- que eufemismo, pensou - e perigoso como tal. Mas irreverente que era, decidiu não usar o protetor solar.

Fez na areia dos seus sonhos diversos castelos, todos de arquitetura duvidosa, nem notou em que parte de sua tarde feliz a maré começou a encher. Só se deu conta da proximidade das águas quando elas já lambiam seus dedinhos. A água estava gelada, e o sol já estava se pondo. O sol poente sempre a havia seduzido, acho que era por causa de todo aquele vermelho no céu. Se afastou dá água, esqueceu os castelos, rumou em direção ao sol. Como não teve a sorte de
Ismália*, seu horizonte estava no chão, perto das dunas que só ela era capaz de ver.
Queimada e triste, parou a certo ponto confusa.

Porque me abandonastes, se sabias que eu era fraca? Se sabias que eu não era Deus ? - se perguntou num fio de voz.

Como resposta, viu iluminar-se uma lamparina numa barraca ali perto, a noite já havia apossado todos os cantos com seu azul triste e frio.
Pensou que talvez fosse a lamparina um pedaço de seu sol, pensou que podia ser um sinal, pensou que a noite ia acabar, que seu amor voltaria. Correu o mais rápido que pôde na direção do seu fiapo de esperança, decepcionou-se outra vez. Praguejou, gritou, prometeu que cresceria, que ia ser grande e adulta, que orgulharia seus pais, que seria médica, artista, advogada e jornalista, tudo ao mesmo tempo para nunca mais sentir o sol, nem vê-lo, muito menos amá-lo.

Adormeceu ali, perto da barraca decadente, embaixo da lamparina, o vento soprava impiedoso, não teve nenhum pesadelo nessa noite, mas acordou com uma carícia no rosto, morna e afetuosa . Teve medo de abrir os olhos, mas abriu.
Ficou surpresa quando descobriu que aquela era a carícia pela qual procurou a noite inteira. Seu Sol tinha voltado! E ele estava tão bonito ! Desculpou-se pelas acusações, disse-lhe que a culpa era toda sua, que tinha sido estúpida de sair sem o protetor. Ele ouviu, ouviu calado tim-tim-por-tim-tim e quando ela concluiu desesperada com um eu te amo qualquer, ele fez sinal para que ela se calasse, e disse, de uma só vez, num sussurro ...

Não temas, o prazer do meu calor é fugaz e banal, qualquer lareira pode te oferecer. Mas, nunca ninguém vai ser capaz de te ensinar tanto com uma queimadura, e, tampouco de iluminar todas as suas alvoradas com o mesmo carinho de outrora. E ninguém, ninguém mesmo, minha princesa, vai te amar tanto, e tão intensamente, que precisará fugir só para te mostrar a noite, só para te dividir com ela, porque a noite também te ama e eu devo isso a ela.

Rolou os olhos, abraçou a si mesma como se sentisse um frio insuportável - que vinha de dentro - mas resolveu ir para a janela, e ele estava lá. Lindo, como sempre, brilhando só para iluminar as suas alvoradas.





Picolé de Chuchu ;

Fria e Indigesta !