18 de jun. de 2016

Uma chamada perdida, minha mãe, depois eu atendo. Fila. Espera. Dinheiro. Tenho que pagar a conta de internet. Tenho que ir para a universidade, tenho duas reuniões e tenho aula a tarde toda, depois a dança do ventre. Tenho que passar em casa e lavar a louça. Tenho que pegar algo para comer. Merda! Minha bolsa não caiu. E então os pneus cantando. O choque. O vôo. A dolorosa aterrizagem muitos metros depois. O medo de abrir os olhos. As lágrimas que escorriam pelos olhos ainda fechados e a dor. A dor e a imobilidade, a imobilidade e os gritos. Os gritos e a horda de desconhecidos. Ninguém toca nela. Os desconhecidos e os toques. O pânico. Me dê o número de alguém da sua família. Uma chamada perdida, minha mãe. Moça, você é a mãe dessa menina? Ela tá aqui no chão a Samu já vem. Você quer falar com ela ? Não. Lágrimas. Ninguém conhecido. Alguém conhecido. Quero pedir socorro, mas não consigo articular as palavras. Vou ficar com você. Fique tranquila eu estou aqui.  Estou com você. Não vou sair daqui. Medo. Dor. Soluços. Não mexa o pescoço. Gritos. O barulho de pneus cantando novamente. A aceleração. Eu vou prestar socorro. O sol nos meus olhos. Medo. Não toquem nela, ninguém toca nela. Não se mova. Amigo. Ambulância. Estou amarrada, não devo me mover. Você é daqui ? Não. Qual o seu curso? Psicologia. Se acalme. Respire e inspire. Não fraturou. Pressão okay. Você bateu a cabeça? Não. Perdeu a consciência não sei, não me lembro. Vamos para o hospital. Você já andou numa maca ? Dói. Amigo, eu preciso ir para as minhas reuniões. Alanie você precisa descansar. Raio x. Invasão. Aperto. Analgésico. Alta. Um chamado atendido, minha mãe. Abraço. Meu pai. Abraço. Minha vida inteira na minha frente, de braços abertos. A mulher que amo, os amigos que conquistei, a família que tenho. E a dor me obriga a desacelerar. A dor me obriga a me ausentar. A dor me obriga a dormir, a dor me rouba da ansiedade e me diz calminha, a vida é mais que isso. O cheiro de pão e de café, o abraço da minha avó, a alegria dos meus sobrinhos ao me reencontrar me fazem chorar. A tranquilidade na severidade da minha irmã que me diz que me ama. As ligações e a visita. O amor que dedicam para mim. Não sei como agradecer. Mas tenho vontade de dizer a todos que amo que os amo. E digo. Incontáveis vezes.

7 de jun. de 2016

É preciso amor pra poder pulsar,

A felicidade é uma mulherzinha ébria
Que se embola tropega, bêbada
E entra uma e outra lamúria 
Ela se ri e jura que me ama.
A Felicidade é uma mulherzinha ébria 
E de vez em vez ela me escapa
ou me enrosca
nos seus cabelos.
A Felicidade que é tão nossa anda a esmo
E ébria.
Porque nós as abjeções não podemos sorrir lúcidos
Nos encontramos nos soluços, 
nos silêncios, 
nos marasmos. 
No impossível: estamos.
A Felicidade é uma mulherzinha ébria e me fode tropega
Num dia de semana,
até que eu grite
e dance
e rode
Até que eu recite poemas e escreva cartas de amor
Porque ela tem medo que eu morra
E eu também tenho medo de morrer
Enquanto morte alguma chega urramos de prazer
A Felicidade é quase o que eu sou, dia sim dia não
Quando suporto bêbada, quando resisto trôpega
aos estilhaços de bomba 
numa manifestação...
Contra a sobriedade. 
Que é essa coisa limpa, branca e culta
Que nunca poderia ser chupada feito puta
Ou sorvida feito pinga
E que não é pra gente, que corre pros bares
Que se afoga nos mares
Que é estuprada nos becos
Tentando suportar
Ébria
toda essa Lama. 

20 de jan. de 2016

Retalhos,

Fui a uma loja de decoração, era grande e tinha móveis bonitos de madeira, e, apesar,  disso não parecia que as coisas que estavam a venda eram caras. 
Uma vendedora simpática veio até mim, me perguntou com um sorriso pelo que eu procurava. Podia responder uma infinidade de coisas: " Eu mesma", " Evidências da existência de Deus ", mas dei de ombros e respondi simplesmente: uma mesa. 
Ela assentiu e me guiou até uma grande mesa de vime, redonda, com cadeiras igualmente grandes estofadas com flores. 
Senti uma tontura leve e uma dor antiga apagou meu sorriso. E antes que pudesse me dar conta disse que não estava interessada. Me afastei e continuei - Tive uma mesa dessas. Perdi na separação.  
Ela sorriu, condoída e me levou para longe, me mostrou outras mesas. Pedi um cartão da loja, o orçamento da mesa que gostei, o nome dela e saí. 
Algumas dores velhas, concluí, não param de doer com o tempo. Mas com o tempo a gente se acostuma com a dor e segue em frente, para novas mesas. 

7 de jan. de 2016

Micrônica,

Estou com a coluna bem ereta, na minha melhor postura, pois estou carregando algo muitíssimo frágil e é preciso ter cuidado. 
O que carrego é fragilíssimo, tanto que antes de me entregar a mim embrulhado foi dezena de vezes, com um material resistente a rasura, queda, ou impacto que de qualquer sorte o quebrasse. 
O que carrego, em mim, comigo, me sorri quando eu sorrio e chora quando eu choro. 
O que carrego me faz ter passos mansos e cuidadosos, pensar nas consequências e agouros do desastre. 
O que carrego não foi caro, tampouco barato. Não foi preço qualquer, que possa ser tomado por descartável. 
O que carrego, agora mesmo, talvez não se possa ver nos meus olhos, mas vejo os meus olhos por isto, que carrego.
Não tenho medo de perder o que carrego, mas por deleite o pus bem colado rente a parede, não pendurei, colei. Com uma cola poderosíssima, numa superfície lisa. 
O que eu carrego em mim e comigo, poderia ser a minha Alma e tudo que cabe nela e nela se esconde, mas hoje: 
O que carrego é um Espelho.  

Picolé de Chuchu ;

Fria e Indigesta !