21 de ago. de 2011

Dos eventos do prazer

Incrível como os olhos se entregam fácil, acomodando-se à falta de luz. O resto do corpo, porém, não. O resto do corpo é luta feroz, a fim de qualquer migalha de claridade ou lógica. Rumina, resiste, se desprega da alma. Tem vida própria, arrepios corrente, tempestade.     - Álex Leilla











Gozar do canto,
do sorriso feito manto,
que entorna o caldo pronto
faz sentir, feito lamento, derramar
pleno o tormento: ápice do prazer.

O gozo.

Se apropria do momento e faz firme
feito hora : estranho e lento, em cio
juramento, prece, verso, ceia
e por fim o acalanto
do corpo cru

                                                                                                                                                 E ponto.











4 de ago. de 2011

InPerfeita

Crianças tendem a ser muito perversas.

Tinha medo de crianças, quando havia tempo de. Fazia firula para as demais, dava docinhos, fazia as minhas atividades e das minhas colegas, para não ser deixada no canto da sala porque era feia.
Era dessas tipas amareladas, de cabelos metidos em tranças, sapatos pretos de verniz, cabeçudota. Não era bonita de olhar, meus hábitos escusos - comer meleca, preguiça de banho, ranha interminável - não me ajudavam a me enturmar, falavam comigo pelos doces, mas ainda assim me puxavam as tranças.
Só havia uma menina entre todas a que eu podia apontar, a única que fazia de mim superior na cadeia-alimentar-da-sala-de-aula-númerocentoetrês, o nome dela era ( ou é, não sei, faz tanto tanto tempo ) Luzia.
Luzia era pretinha, como diziam minhas colegas, como minha irmã - eu pensava em segredo - e ser pretinho era mau naquela escola, naquele lugar, naquele mundos, naqueles pais daquelas crianças - e digo neles porque se é criança tudo se perdoa, irônico não ? - ser pretinho era como ser sujo, detentor da mais inlavável sujeira, a de ser diferente. Na sala não me atrevia a dirigir o olhar para ela, tinha medo que soubessem que éramos secretamente amigas e então me tratassem mal. Não via sujeira nela, apesar de. Via a boa amiga, e seus cabelos feito manta de lã trançados com esmero, a pele aveludada e aqueles grandes olhos  pretos, tão pretos que pareciam de verniz.
Dia da roda de leitura era aquela lambança alegre e multi-colorida, leões, tatus, fábulas, contos de fadas, de moças, de princesas, de bruxas, todo o imaginário infantil ali pertinho, quase sólido na leitura dos seus criadores - criar é meio isso, né ? Desentender-se do real, brincar de Deus, ou de Big Bang, e dar voz ao que estava calado em si - Luzia estava mais calada que o normal, quis ir até lá e dar-lhe a mão, dizer que estava tudo bem e que brincaríamos de bonecas horas a fio por toda a tarde, contive meu impulso e tamborilando os dedos na cadeirinha amarela, encarava dispersa o semi-arredondado-quadrado. Luzia andou até o quadro, nesse interim e escreveu com letras bem grandes ( para uma garotinha de 8 anos ): INPERFEITA. 
Primeiro a sabe-tudo segredou para a menina do seu lado e então abafou o riso, crianças tendem a ser perversas. Logo começou um burburinho, e então o burburinho antes pequeno foi tomando forma e virou uma feia canção em uníssono. A professorinha, aflita e desgostosa pedia - em vão - o silêncio e a atenção dos demais.
Quando instalou-se o silêncio temeroso, depois de muitíssimas ameaças, Luzia começou a ler, ali, de pé, com lágrimas nos olhos, e os pequenos e frágei braços tremelicando:

Descobrir pra dentro é caminho pra Deus, descobrir o perdoar é caminho para Deus, se eu perdoar a mim por incomodar-vos estarei com Deus. E eu me perdôo, todos os dias por ser assim. IN-Perfeita. Que é perfeita para dentro, e para dentro de mim só Deus. Porque eu já me descobri.


...
























Qualquer verossimilhança, é apenas isso.


Dedicado à Alexandre Bittencourt.

3 de ago. de 2011

I

Bosque do Anjo Solidão, Agosto de um ano qualquer.

Amie,

 Te olhava de longe, Améllie, naquele lugar que me puxava todo o tempo para a realidade, bonita, simples e verde. Mas, como quem não gosta do cheiro que sente, franzia o nariz para a sua arrogância, também para a realidade, Améllie. Nunca fui grande fã dela, você já sabia. E você... Você me inspirava realidade, com todos aqueles questionamentos. Você não respeitava a minha lira e eu pensava, " O demônio é falacioso, Gilda, ela sabe. ", e me incomodava que soubesses das minhas fa...lácias, faltas, fantoches. Me incomodava o seu olhar, Amie, me incomodava que soubesse o que o meu guardava.
 Quando tocou meu rosto, naquele dia gelado, e me falou sabiamente " Mentirosa ", metade de mim sumiu em Dó, a outra metade murchou em Si. Fui revelada, pelos olhos da menina-do-castelo-falido, como deixei isso acontecer ? Te sorri, mesmo mortificada em dor, e peguei sua mão.
- Vamos Dançar!

- Eu não danço, Gilda. - Toquei suas mãos com cuidado, ninguém nunca tinha te tocado assim, eu sabia, e te ofertei meu sorriso mais vermelho. Você ruborizou.
- Dança comigo, eu posso mesmo dançar sozinha, muitas vezes já dancei, mas agora que sabe que minto, não preciso mais mentir, já está tudo acabado mesmo, Amie. Vamos dançar em cima dos cacos da minha máscara. 
- Meninas não podem dançar entre si, Gilda, não seja tola.- Te trouxe mais para perto, penso que foi o tom vacilante da sua voz, meio desejoso daquela dança, que me instigou. 
- Quem disse isso, não sabe de nada, Améllie. 
Lembra ? Lembra, caríssima, de como você sorria, dançando elegantemente aquela valsa - que só nós éramos capazes de ouvir - lembra de como a sua silhueta, as suas roupas, a sua ausência de verdades de aluguel contrastavam como toda a minha indumentária alegórica ?  Sorri, não de desespero, não dessa vez. Você me disse depois, e eu acreditei. Porquê era preciso acreditar, e eu queria.
Por isso também, fiquei nua, à meia luz, num motel barato, dramaticamente deitada, na sua frente, nua em pêlo, exceto pelo batom, esse quem tirou foi você.

                                                Diga que você me quer, porquê eu te quero também.
                                                                                                                                     Gilda.

Picolé de Chuchu ;

Fria e Indigesta !