30 de jun. de 2025

Para as mulheres que seremos,


O não é uma palavra redonda pequena e fácil, foi feito mesmo para sair direito e fácil, para caber em todas as bocas, relações e espaços e apesar disso algumas pessoas precisam usar o não como facas. O não só pode escapar depois de ter sido amolado por muito tempo na língua, por isso ele sai afiado, como em um grito, uma palavra rascante e amolada, um tipo de punhal de quem já foi invadida pelo outro vezes demais. Em uma aula de Psicologia da educação aprendi algo que tem me acompanhado: a exposição da pele do bebê ao toque, ao longo do seu primeiro ano, ensina o corpo a acender as luzes da sensibilidade, o que eu entendi dessa aula foi que o nosso corpo reconhece o amor, que o amor que recebemos cria uma estrada pelo nosso corpo, tanto quanto a dor quando o atravessa, existem vias, formas, marcas, lembranças espalhadas por todo lado de que já fomos amadas, cuidadas, parte de outra pessoa,  mesmo para quem não tivesse essa estrada inscrita na pele à contento nesse primeiro ano, enquanto houvesse pele, o maior orgão do corpo, o manto que cobre nossa casca de bicho e que inventa sentido no não dito do toque e espalha essa fofoca pelos nossos vazios, essa mesma pele pode ser acesa e constituída enquanto estrada para nos levar de volta para a experiência de sermos amados, o toque, o gesto de quem nos escolhe tem a capacidade de nos levar de volta para nós e tudo que significamos enquanto amor sobre as nossas peles, sob o toque carinhoso e amoroso de alguém. Todas as memórias percorrem nossos corpos as ruins e as boas, precisamos aprender a escolher as experiências que trazem pro corpo a lembrança do amor, porque a lembrança do ódio vira palavra antes que a gente perceba e passa a ocupar nossos buracos criando para a gente a ideia de que aquilo que nos machucou diz mais sobre nós do que aquilo que sabemos sobre nós mesmos, se saber amada é menos sobre declarações e floreios e mais sobre o toque que inventa amor na nossa pele quando nem a gente sabe ainda o que significa isso. Por isso vale a pena amolar a língua, porquê um não, ainda que em lâmina feita da falta de hábito é melhor do que se esquecer do amor sobre a pele. 

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