12 de ago. de 2024

Naquela mesa tá faltando ele e a saudade dele tá doendo em mim,

 Eu estou diferente. Minhas malas foram roubadas, que nem as coisas da Ana Carolina naquele dvd, em que ela recita em resposta ao infortúnio "só de sacanagem", então, perdi todos os meus perfumes, eu tinha dois, um que usava mais de dia, na correria, e um outro que usava menos no dia-a-dia e reservava para os dias especiais, esse perfume eu uso desde os 18 anos, foi o primeiro perfume importado que tive e me apaixonei pelo cheiro, queria ser alguém que se atrevia a cheirar daquela maneira, mas eu não me sentia eu mesma com ele, eu aprendi a torna-lo parecido comigo, porque era parecido com quem eu queria ser. Bom, o caso é que ele foi embora. Fico voltando naquele dia como numa investigação de mim, sinto falta das coisas, mas sem desespero, me estranho e mudo de assunto para pensar agora no meu amigo que tem tantos tantos cheiros, será que ele se identifica com todos, ou para cada um ele cria uma persona? Constatei que estou cansada de criar personas, decidi ali, com a água quente demais batendo no cansaço das minhas costas, que eu iria ser uma pessoa que usa o perfume que reflete o cheiro que a identifica, mesmo que usar perfume tenha algo de cheirar a algo que é desde sempre inumano, não queria cheirar a minha humanidade, queria que a humanidade me cheirasse, queria deixar algo de mim, uma mensagem que transbordasse a minha passagem pelas pessoas, então olhei para o perfume extravagante que escolhi numa loja de departamento há alguns dias, em cima da pia, apoiado numa bandeja de espelho, coisas rosas e de cristal refletindo no seu corpo, também cor-de-rosa, e na virgula que fechava seu frasco, preta com dourada, eu sinto uma atração estranha pelas combinações de cores que ele faz, e o fato dele guardar um perfume adocicado com traços de canela e outros temperos me faz sentir abraçada pelo seu cheiro, parece comigo eu sou doce e temperamental na mesma proporção, não é um cheiro marcante, absoluto, não é um chanel n 5 que roubaria dos demais o brilho, eu quero ser alguém que usa um perfume só, porque acredita que esse cheiro conta algo de si pro mundo que talvez possa ser contado em diferentes situações e circunstâncias, tem um ebó que quando saudamos para o dia dizemos "Obará conhece meu cheiro", tomamos Obará enquanto uma das facetas da prosperidade e dos caminhos abertos, e isso me leva a pensar em Ajé, aquela que traz as riquezas do fundo do mar para as nossas vidas, e decido também: amanhã vou fazer uma atividade física, vou começar - Agosto é mês de Omolu - nem vou pensar, só vou lá e vou fazer, pego o sabonete de erva doce, minha mandinga ordinária para dias ruins e lembro do que discutimos na terapia, quero fazer uma atividade física, minha terapeuta possivelmente cansada dos meus arroubos desejantes me conduz em uma dança que em um determinado ponto se torna algo sobre como meu pai me disse que eu não deveria fazer nenhuma luta porque eu era muito temperamental, agressiva, engraçado como as coisas que dizem de mim quase nunca se parecem com como eu me sinto, afinal eu sou doce com canela no cheiro, ou será isso aquilo que quero que as pessoas me sintam sendo, o caso é que eu fiz dança, fiz aeróbico com steps, fiz musculação, teatro, crossfit e um dia até fui para uma aula experimental de Muay Thai e só fiz o aquecimento, não cheguei a luta de fato, nunca fui fazer luta com medo durante a maior parte do tempo do que aconteceria se eu entrasse em contato com o meu suposto temperamento, talvez combine com alguém que usa um perfume elegante desafiar seu próprios medo, e passar um pouco disso que é o que se conhece e sustenta por não saber mais de si mesma, para aquilo que é saber de si o bastante para escolher o que todo mundo escolhe e viver o que todo mundo vive sem precisar mais da confirmação da inadequação em cada passo do seu dia. Do meu dia. Eu não quero mais viver com medo, com um medo tão profundo e significativo de ser quem eu realmente sou a ponto de descobrirem que eu, no fundo, me pareço mesmo com todo mundo, sou mesmo igual aos desiguais e iguais, confrontar, assim, apenas tomando banho, muito quente e muito cheiroso, que eu não tenho nada de especial. Não ser saudável não é especial, ser saudável também não é. Nada é tão especial assim. Nessa versão, essa constatação não me deprime. Fico ali sentindo o que preciso sentir pelo tempo necessário, um pouco triste, um pouco alegre, coisas boas e ruins devidamente moderadas, sem arroubos. As coisas são o que são. Gostaria de poder falar com meu pai sobre isso. 

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