26 de ago. de 2024

Então fica bem se eu sofro um pouco mais,

 Eu queria um analgésico suficientemente forte para não sentir tanto. De alguma forma me habituei com as intensidades e isso me tornou alguém que sente muito, no meu silêncio ecoam os versos de Leminski “Sinto muito, sentir é muito lento”. Estou aqui e estou de pé diante do caos que eu mesma construí para mim, falei em alforria a liberdade que pagamos a quem nos escraviza, as vezes à nós mesmas. Eu fui construindo um lugar para mim, uma espécie de castelo de cartas, usando como base os sonhos que tinha e as minhas costas. Acontece que eu já estava há tempo demais abaixada e você sabe o que acontece quando a gente se levanta abruptamente né ? As coisas caem. Caíram porque eu levantei, mas também caíram porque eu escolhi brincar de subjugar meu corpo, meus desejos e transformar tudo em cartas. Qualquer coisa como quanto maior a altura, maior o tombo, para me consolar penso que para cair é preciso experimentar alturas. Ninguém cai de lugar nenhum. Até para cair é importante se levantar, visto que quem se deita no lugar de objeto permanece imóvel. Meu pai costumava dizer que era melhor um pobre sofrendo do que um rico apaixonado, porque o rico apaixonado perde o crivo e mata e o pobre sofrendo faz poesia. Vamos fazer poesia. Algo como: 

Eu assumo 

Eu sou a maior responsável 

Por tudo isso que está me machucando agora

Mas o fato de me saber responsável 

Não anula a dor que me causa 

Saber quantas vezes,

Quantos cifrões,

Quantas culpas, 

Tantos anos 

Eu não me escolhi. 


Quem é mais sentimental que eu ? Eu disse nem assim se pôde evitar. 

12 de ago. de 2024

Naquela mesa tá faltando ele e a saudade dele tá doendo em mim,

 Eu estou diferente. Minhas malas foram roubadas, que nem as coisas da Ana Carolina naquele dvd, em que ela recita em resposta ao infortúnio "só de sacanagem", então, perdi todos os meus perfumes, eu tinha dois, um que usava mais de dia, na correria, e um outro que usava menos no dia-a-dia e reservava para os dias especiais, esse perfume eu uso desde os 18 anos, foi o primeiro perfume importado que tive e me apaixonei pelo cheiro, queria ser alguém que se atrevia a cheirar daquela maneira, mas eu não me sentia eu mesma com ele, eu aprendi a torna-lo parecido comigo, porque era parecido com quem eu queria ser. Bom, o caso é que ele foi embora. Fico voltando naquele dia como numa investigação de mim, sinto falta das coisas, mas sem desespero, me estranho e mudo de assunto para pensar agora no meu amigo que tem tantos tantos cheiros, será que ele se identifica com todos, ou para cada um ele cria uma persona? Constatei que estou cansada de criar personas, decidi ali, com a água quente demais batendo no cansaço das minhas costas, que eu iria ser uma pessoa que usa o perfume que reflete o cheiro que a identifica, mesmo que usar perfume tenha algo de cheirar a algo que é desde sempre inumano, não queria cheirar a minha humanidade, queria que a humanidade me cheirasse, queria deixar algo de mim, uma mensagem que transbordasse a minha passagem pelas pessoas, então olhei para o perfume extravagante que escolhi numa loja de departamento há alguns dias, em cima da pia, apoiado numa bandeja de espelho, coisas rosas e de cristal refletindo no seu corpo, também cor-de-rosa, e na virgula que fechava seu frasco, preta com dourada, eu sinto uma atração estranha pelas combinações de cores que ele faz, e o fato dele guardar um perfume adocicado com traços de canela e outros temperos me faz sentir abraçada pelo seu cheiro, parece comigo eu sou doce e temperamental na mesma proporção, não é um cheiro marcante, absoluto, não é um chanel n 5 que roubaria dos demais o brilho, eu quero ser alguém que usa um perfume só, porque acredita que esse cheiro conta algo de si pro mundo que talvez possa ser contado em diferentes situações e circunstâncias, tem um ebó que quando saudamos para o dia dizemos "Obará conhece meu cheiro", tomamos Obará enquanto uma das facetas da prosperidade e dos caminhos abertos, e isso me leva a pensar em Ajé, aquela que traz as riquezas do fundo do mar para as nossas vidas, e decido também: amanhã vou fazer uma atividade física, vou começar - Agosto é mês de Omolu - nem vou pensar, só vou lá e vou fazer, pego o sabonete de erva doce, minha mandinga ordinária para dias ruins e lembro do que discutimos na terapia, quero fazer uma atividade física, minha terapeuta possivelmente cansada dos meus arroubos desejantes me conduz em uma dança que em um determinado ponto se torna algo sobre como meu pai me disse que eu não deveria fazer nenhuma luta porque eu era muito temperamental, agressiva, engraçado como as coisas que dizem de mim quase nunca se parecem com como eu me sinto, afinal eu sou doce com canela no cheiro, ou será isso aquilo que quero que as pessoas me sintam sendo, o caso é que eu fiz dança, fiz aeróbico com steps, fiz musculação, teatro, crossfit e um dia até fui para uma aula experimental de Muay Thai e só fiz o aquecimento, não cheguei a luta de fato, nunca fui fazer luta com medo durante a maior parte do tempo do que aconteceria se eu entrasse em contato com o meu suposto temperamento, talvez combine com alguém que usa um perfume elegante desafiar seu próprios medo, e passar um pouco disso que é o que se conhece e sustenta por não saber mais de si mesma, para aquilo que é saber de si o bastante para escolher o que todo mundo escolhe e viver o que todo mundo vive sem precisar mais da confirmação da inadequação em cada passo do seu dia. Do meu dia. Eu não quero mais viver com medo, com um medo tão profundo e significativo de ser quem eu realmente sou a ponto de descobrirem que eu, no fundo, me pareço mesmo com todo mundo, sou mesmo igual aos desiguais e iguais, confrontar, assim, apenas tomando banho, muito quente e muito cheiroso, que eu não tenho nada de especial. Não ser saudável não é especial, ser saudável também não é. Nada é tão especial assim. Nessa versão, essa constatação não me deprime. Fico ali sentindo o que preciso sentir pelo tempo necessário, um pouco triste, um pouco alegre, coisas boas e ruins devidamente moderadas, sem arroubos. As coisas são o que são. Gostaria de poder falar com meu pai sobre isso. 

2 de ago. de 2024

Não dá pra ser covarde/O perdão não sabe ver as horas,

 Mesmo saindo cedo ele tá atrasado

Não sei se posso parar de fumar, o cigarro mantem minhas mãos e meu peito ocupados, enquanto eu fumo o tempo se arrasta lento, entre uma baforada e outra tenho uma sensação de parâmetro e controle. Não acho que fumar seja um hábito saudável, mas acho bonito ter a coragem de assumir a minha insalubridade. Essas coragens tem me habitado de muitas formas nesse tempo, se era antes Gilda, coitada, me sinto sendo Gilda, apenas. Os caminhos torpes, os silêncios vários, cada maço de cigarro esvaziado buscando um propósito, um poema, um nome que esgotasse a mim, tudo isso abandonado, estou à deriva de mim. Gosto de estar intencionalmente derivada, de mim, por mim, para mim. De todas as coisas caras que vesti, comi, bebi, comprei, essa é a que me ascende a condição de Eu, meu próprio singular. Busquei nas noites atrevidas, busquei nas bocas entreabertas, busquei nas paixões irrefreáveis e não pude ver como vi quando me olhei no espelho, nem era um espelho exatamente, mas um objeto refletor: eu, ali. Ali comigo todo tempo e mesmo nua, pobre, rubra, puta da vida, mesmo marginal, coisinha, ex-qualquer-coisa e tudo que já se soube sobre mim, eu continuava ali, me sorrindo torto e de volta, capaz de fumar um cigarro por vez. Capaz de reger meu caminho entre os tropeços e os pódios. Eu tive muitos pódios, fui eleita várias vezes por diferentes pessoas, me queriam ali, eu era o centro do mundo de pessoas que se refugiavam nas solidões eloquentes de si mesmas e depois cansavam, procuravam outra Gilda, outra moda, outros modos. E isso me afetava tanto, eu queria, eu quis sempre ser tudo para alguém que distraída não fui capaz de perceber que mesmo na iminência do que me mata, eu sou tudo para mim mesma. Estou aqui, mais uma vez apaixonada, dessa vez é tudo novo, eu prometo, estou apaixonada por alguém que eu sempre fui e nem sabia que era. 

Picolé de Chuchu ;

Fria e Indigesta !