Não falem pra não lembrar a minha dor.
Ela tem um sono leve, a dor, sabe? Diante dela passos miúdos que não fazem barulho no corredor imenso das lembranças. Nem psicotrópicos nem drogas nem analgésicos nem nenhuma forma de intervenção externa interna possível impossível só até perder o ar e dormir e esquecer e eu esqueço e então vem uma foto, uma menção do seu sagrado nome. E a dor volta. Uma pequena fisgada no meu peito, fico suspensa no tempo, quase um instante. Quase uma eternidade. Fico sem ar. Algumas vezes disfarço o susto da dor falando seu nome sem rebuscamento nenhum, como se não fosse nada. E sinto que convenço uma plateia esperançosa de que eu não sinto a sua falta. Convenço de que a dor não é imensa, convenço de que a vida seguiu e ninguém vai reparar. E ninguém repara, eu reparo, coleciono as nossas memórias e me aterrorizo muitas noites quando você visita meus sonhos. Fantasio que vou te encontrar por aí e me esforço para não te encontrar jamais. Não sei fingir bem. Acreditei por algum tempo que éramos almas afins e por isso sentia sua presença e adivinhava seus pensamentos. Hoje diante da finitude me sinto capenga. Foi muito difícil, é. É muito difícil acordar e dormir num mundo onde você me despreza. Foi diante do desprezo que eu desisti, sabia? Pra mim o desprezo sempre foi a morte do amor. E olha só eu te amava, eu te amava com tudo que eu tinha. Hoje quando mencionam seu nome numa roda eu sinto o mundo girar numa vertigem horrorosa. Já quis apagar você, já quis desapegar de você, mas hoje tudo que me resta de tudo que você foi é essa cólica que eu sinto, cólica não cólera, no peito quando lembro e lamentavelmente eu lembro muito ainda. Eu sei que um dia eu não vou lembrar mais tanto e que a memória do amor amado se dissolverá na paisagem. Já vi isso acontecer antes, vou ver isso acontecer depois. Para mim perder quem eu amo sempre foi pior que a morte e as lágrimas salgadas não consolam a imensidão de mar em mim. Mas eu sigo, com as mortes no peito, o luto que não tem fim, a saudade que amarga, sigo tentando me lembrar quem eu era mesmo antes de você, para ver se eu descubro quem eu posso ser depois.