Trajava preto, não por hábito, por luto.
Os cabelos, já não tão curtos, a postura já não tão aviltante.
Andou, firme, entre os tantos que apinhavam o salão, entre o burburinho e os brindes, esbarrou num estranho-sem-rosto, mas não desculpou-se, seguiu. Prostrou-se frente ao bar, pediu um Whisky, duplo " muito gelo e dois dedos d'água ", aprendeu num filme. Ao fundo Maysa cantava. Se o meu mundo caiu, eu que aprenda a levantar. O cheiro da bebida impregnou-lhe o corpo, sorriu. Uma lembrança invadiu-lhe, uma dessas tantas lembranças odiosas que insistiam em vir sempre, corroer-lhe. " Esse bailes são tão entediantes! " deslizou os dedos pelo balcão, o cheiro da bebida, misturado com a madeira excessivamente polida, trouxe um sorriso a tona. O reflexo no espelho, difuso entre as bebidas dispostas em prateleiras, as luzes amareladas do salão, toda aquela conversa-sorridente, o encarar dos olhos com o reflexo que era meu personagem, meu eu tão lírico, fez-me em abismo. " Não posso borrar minha macro-imagem, minha maquilagem ." " Mais um duplo, por favor " " Bebida forte, dona " " Espero fazer dela, minha " " Saúde, isso é bebida de macho, hein dona ? " " De repente é isso mesmo. " Engoliu tudo, de um só gole, arrumou o vestido, foi-se, estalando os saltos altíssimos pelo salão. Eu fiquei, ali, parada na porta, vendo Gilda tomar meu lugar.
"Kabuki, máscara."
ResponderExcluir- C. Veloso
intresting post
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